terça-feira

Manual de instruções para um país por Ricardo Costa

"Caro leitor: se por acaso, mérito ou azar um dia tiver que governar um país em crise, siga estas regras. Não terá glória imediata, acenos à janela nem rotundas com o seu nome. Mas talvez se safe (a si e ao país), o que já não é nada mau.

Se Portugal fosse um electrodoméstico, a esta hora José Sócrates estaria a revirar gavetas à procura do manual de instruções e a praguejar com os assessores por não o terem obrigado a ler o documento. Enquanto não o encontra, deixo-lhe estas dicas:

1. Olhe para o espelho e diga: "porquê eu"? Mas não espere pela resposta, não é boa para si.

2. Vá jantar fora com os amigos, ao cinema (o "Homem de Ferro 2" estreou anteontem) e durma uma boa noite de sono.

3. De manhã, leia os jornais estrangeiros. Não se refugie em Pessoa ou no Padre António Vieira para não achar que está num grande país. Não está.

4. Chame o ministro das Finanças e diga-lhe: agora só nós dois é que governamos.

5. Consolide a despesa dos ministérios e entregue tudo a autorização prévia das Finanças.

6. Crie um gabinete de crise.

A gestão de informação é vital.

7. Proíba conferências de imprensa de outros ministros. Só pode haver um discurso.

8. Faça uma lista de tudo o que vai cortar de imediato.

9. Anuncie tudo de uma vez.

10. Revele o impacto orçamental das medidas e anuncie metas claras. Os objectivos devem ser transparentes.

11. Suspenda o TGV, o aeroporto, a nova travessia do Tejo e as novas auto-estradas. Negoceie o adiamento com os consórcios. Se não aceitarem, litigue. O país está do seu lado.

12. Comunique à NATO que precisa de vender (ou ceder o renting) dos submarinos.

13. Suba o IVA um por cento.

14. Tente renegociar prazos de pagamento de alguma dívida, PPP, contratos de fornecimento externos e concessões.

15. Reestruture o sector empresarial do Estado, funda empresas e institutos. Reduza os custos variáveis em 20% este ano com um forecast obrigatório.

16. Não privatize nada enquanto a crise não passar.

17. Não desorçamente nada.

18. Tente financiar-se no mercado interno. É mais barato.

19. Proíba a candidatura ao Euro 2016 e à Ryder Cup.

20. Chame o FMI e diga que não quer nenhum empréstimo.

21. Diga o mesmo, por telefone, a Angela Merkel.

22. Chame as agências de rating e explique-lhes o plano.

23. 20 e 21 de Maio pague 6,9 mil milhões de dívida vencida.

24. Depois, com os mercados calmos, reforce o investimento no parque escolar e na saúde pública. Em tempo de crise vão ser mais procuradas do que nunca.

25. Apoie as exportações (mas esqueça a Venezuela).

26. Obrigue o Estado a ser modesto, sério e implacável.

27. Não leia Keynes por uns tempos. Mais vale ver a Oprah."

Texto publicado na edição do Expresso de 1 de Maio de 2010



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